Poema de J.Herculano Pires, publicado no jornal Mensagem, em julho de 1975
Pisarei de cabeça erguida no limiar do amanhã.
Desvencilhei-me do passado.
Meu compromisso é o futuro.
Rasguei a carta fajuta da moral hipócrita,
quebrei os ídolos de barro,
esmaguei sob os pés os dogmas
da crença e da descrença.
Não busco a verdade nos mitos:
encontrei-a em mim mesmo.
Bebo o vinho da vida sem pedir licença.
Lavo a face da terra com a água da verdade.
O fingimento, a mentira, a adulação,
a perfídia provocam-me náuseas.
Quero o mundo como ele é, a vida como ela é.
Quero olhar para a face de Deus
como a águia olha para o sol.
Ninguém é responsável por mim, ninguém me salva.
Deus emancipou-me na minha liberdade
e os temores do passado eu mesmo os sepultei.
Não é orgulho saber que sou livre
e posso conquistar o cosmos.
Minha humildade consiste em reconhecer os meus limites.
Não nasci para ser escravo: a vida é liberdade.
Jogo no presente tudo o que possuo e ganho o futuro.
Descobri que não sou frágil e não morro:
sou imortal.
Meu avô falhou, meu pai falhou,
eu mesmo falhei porque temíamos a vida.
Mas agora amo a vida e sei que viverei através dos milênios.
Meus limites se alargam na proporção em que avanço.
A Razão é a minha bússola, a Verdade o meu norte.
construirei o meu mundo, o muindo do meu tempo,
e o tempo renovado renovará o mundo.
Fui velho na juventude, serei jovem na velhice.
Que importa se o corpo envelhece?
Ninguém deterá os meus passos e farei da morte
um novo salto para as constelações.
Saltarei feliz sobre as galáxias do amanhã.
Não troquei o confessor pelo psicanalista,
nem a moral pela libertinagem.
Tenho uma estrela na fronte e
sou a vestal do meu fogo sagrado.
Quem apagará a labareda das minhas certezas?
Quem guiará os meus passos além, da minha consciência?
Aos que me odeiam, respondo com uma palavra: amor!
Aos que me acusam, respondo com a piedade.
Aos que tentam escravizar-me, ajudo-os a se libertarem.
Minha consciência é o Tribunal de Deus. Só ele me julga.
Como posso pedir o perdão daqueles que erram mais do que eu?
Como posso dirigir-me a Deus através dos agentes comerciais da
misericórdia, que ninguém pode vender?
Estou diante do mundo e sei que o mundo é a minha oportunidade.
Deus não está no céu e nem o diabo no inferno.
Mas eu- homem- estou na terra e a terra é dos homens.
Temos de transformar a terra - nós, os homens - no reino de Deus.
E onde estão as leis desse reino, senão em nossa consciência?
Se Deus está em mim, como posso adora-lo fora?
E como posso nega-lo?
Como posso tremer ao lembrar-me de Deus
se ele é a minha consciência?
Basta voltar-me para mim mesmo, para ver a sua face.
Os anos de terror já passaram. A ignorância morreu.
A rosa da verdade abriu-se em meu coração.
Não choro, não gemo, não me apavoro.
Confio.
A vida cresce em mim e nada pode extingui-la.
Não me interessam os mistérios ocultos,
os poderes secretos.
Todo o poder me foi dado
e ninguém pode arrebatá-lo.
Contarei os átomos e as estrelas,
os grãos de areia e as galáxias,
e multiplicarei em minhas mãos as rosas da Verdade.